“Tuberculose na Cidade da Praia”
Realizou-se este fim-de-semana, na cidade da Praia, no quadro do 20º aniversário da Ordem dos Médicos Cabo-Verdianos, a Jornada Científica 1: “Tuberculose na Cidade da Praia”. Nesta jornada, as médicas Elsa Almeida e Soraia Fonseca abordaram o tema focando, respetivamente, o “Diagnóstico e vigilância nos cuidados primários de saúde” e a “Tuberculose: casos graves”. No fim dos trabalhos, ressaltou um facto: é preciso que as autoridades sanitárias apostem em campanhas de sensibilização sobre a doença e o trabalho que, nomeadamente os Centros de Saúde, fazem para combatê-la.
Daniel Silves Ferreira inaugurou a jornada científica lembrando que “a tuberculose é uma doença com história, muitas vezes triste”. Por isso, justificou, “achamos que seria interessante revistar essa história” e, ao mesmo tempo, conhecer o trabalho que está a ser feito atualmente na Praia para eliminá-la.
Elsa Almeida, especialista e mestre em Saúde Pública, do Centro de Saúde de Achada Santo António, iniciou a sua comunicação apresentando os números da Tuberculose (TB) no mundo: estima-se que 1/3 (cerca de 2 biliões de pessoas) da população global está infetada com o Mycobacterium tubérculo – África contribui com 20% para este total – e podem desenvolver a doença.
Atualmente, Cabo Verde não regista muitos casos de TB, mas o país tem uma estratégia de combate à doença, cujo ponto de partida é o despiste. Em 2016, por exemplo, o Laboratório da Delegacia de Saúde da Praia registou apenas 39 casos positivos.
Segundo Elsa Almeida, os doentes procuram o Centro de Saúde (CS) cerca de 15 a 30 dias após o início dos sintomas, ou seja, demoram a recorrer a esse serviço. “A deteção precoce e um tratamento eficaz são imprescindíveis para o combate eficaz da doença”, alertou Elsa Almeida.
Os serviços de saúde, por sua vez, demoram cerca de 10 dias a comunicar o diagnóstico, mas quando se trata de um caso positivo, o laboratório comunica imediatamente o resultado ao CS, diz Elsa Almeida, para quem “os funcionários dos CS que trabalham no front office deviam oferecer máscaras a quem chega ao estabelecimento de saúde com tosse”.
No entanto, mesmo que tal acontecesse, o combate á doença continuaria a encontrar barreira, tendo em conta que “os doentes não gostam de usar máscara”, lembrou a especialista em Saúde Pública. “Só a usam quando vao ao Centro de Saúde e, particularmente, quando entram no consultório”, afirma.
Soraia Fonseca, médica no Hospital Agostinho Neto, destacou, por sua vez, que há atualmente no mundo muitos casos de TB multirresistente, o que “constitui um perigo para a transmissão da doença”, levando, por exemplo, ao aumento da replicação do VIH e ao aceleramento da progressão da infeção por VIH.
Mas, além do VIH, existem outros fatores de co-morbilidade, como o alcoolismo, a diabetes, e a hepatite. Em 2016, a maioria dos doentes de TB atendidos no HAN eram residentes na Praia. Em 2017 verifica-se, entretanto, que a maioria dos doentes de TB são oriundos do interior da ilha de Santiago.
Após estas duas comunicações, deu-se lugar a um debate bastante participado em que se suscitou questões importantes e muito pertinentes. Em resposta a diversas questões colocadas pela assistência, Elsa Almeida explicou que o CS de ASA faz colheita de expetoração nos casos de suspeita de TB, e depois “envia-as para o Delegacia de Saúde”. “A realização do despiste no próprio CS é uma boa opção, mas a falta de recursos humanos e financeiros pode ser um entrave á adoção desta ideia”, considerou.
Atualmente, os casos graves de TB são encaminhados para o HAN, mas os outros fazem o tratamento ambulatório ou domiciliário. No entanto, há quem abandone o tratamento, o que conduz a recaídas e óbitos, até. Este ano, registou-se um caso multirresistente, que terminou em óbito. Tratava-se de uma senhora que sofria de diabetes e que, apesar de trabalhar num estabelecimento de saúde, não aderiu á terapêutica.
Habitualmente, “se houver agravamento do estado geral, e se for necessário, contactamos o hospital para se proceder ao internamento”, explica Elsa Almeida. Os critérios de internamento são sepsis, insuficiência respiratória, hepatite, pacientes multi-resistentes ao tratamento, entre outros, apontou Soraia Fonseca.
Mas o serviço de Medicina do HAN tem dificuldades para receber pacientes de TB porque não recebe apenas esse tipo de doentes, disse Soraia Fonseca. Recordou-se que, em tempos idos, internava-se todos os doentes de TB, mas hoje acredita-se que não há benefício nisso, a não ser que esteja em risco a vida do doente. O internamento aumenta o risco de transmissão a outros doentes e aos profissionais de saúde. Ademais, regra geral, ao fim de duas semanas de tratamento, o doente já não é um perigo.