Morris: Cabo Verde e o seu povo te agradecem

Caros colegas,

Senhoras e Senhores

Ainda não se passaram 10 dias, quando, sem me dar por isso, cumprimentei o Dr. Morris na língua materna dele. Na verdade, a palavra utilizada nesse dia nada tinha com nenhum tipo de saudação.

“MUSHKILA, MUSHKILA”, palavra duas vezes repetida e que traduzida significa PROBLEMA, PROBLEMA, foi o termo que me ocorreu e utilizei mal ele entrou na sala da Ordem dos Médicos para uma conversa de despedida. Ao facto, à pronúncia do termo “problema”, não eram alheias as informações que eu tinha acabado de receber: O Dr. Morris Haroun Makar Bashier iria regressar ao Egipto.

Há uns anos, muitos anos atrás, a saudação entre nós era muitas vezes feita na língua materna dele, como forma de demonstrar a nossa morabeza e também um claro desejo de proximidade. Mais frequentes eram seguramente nossas conversas à volta da medicina e da cirurgia que sempre o apaixonaram, nas quais se formou na Universidade de Ain Shams e do  Cairo, Egipto, nos anos 1976 e 1982, respectivamente.

Contudo, são também daquele tempo, certas conversas que guardo com preciosidade. Conversas relacionadas com a luta pela liberdade – liberdade com todas as letras – lá, no longínquo país de origem e cá, também, neste nosso Cabo Verde que ele escolheu e o adotou.

Nem sempre as minhas posições estavam bem informadas, mas a solidariedade estava sempre presente, solidariedade com um povo de tradições e cultura milenares que tanto deu ao mundo e à nossa civilização e que, vinha, paulatinamente, sendo amordaçado.

Havia a questão de uma expressiva minoria que não o fora sempre à qual os direitos, inclusive os mais fundamentais vinham sendo negados. A própria língua desaparecera e as práticas religioso-espirituais nem sempre eram bem toleradas. Por vezes, era a intolerância e mesmo a violência, quase nunca noticiadas. Com o silêncio cúmplice de muitos, a repressão e a pressão para o exílio e emigração não eram fantasia.

Por aqui, a situação podia parecer diferente. E era de certa forma mas a luta também era necessária e estava sendo feita. A ausência de liberdade, o desrespeito pelos direitos humanos, a não existência de um estado de direito democrático, a resistência à introdução de ideologias estranhas ao nosso povo, quando não eram profundamente discutidas, eram pelo menos afloradas em conversas sempre amenas e cordiais.

Conversámos, muito e nem sei se o Dr. Morris se lembra de tudo isso. Eu tenho saudades daquele tempo. Foi assim que, juntamente com a prática quotidiana da Medicina naqueles difíceis anos 80, a nossa amizade e camaradagem se foi consolidando.

E o Dr. Morris Makar tendo chegado à Praia, precisamente no dia 19 de Julho de 1982, cá ficou como médico-cirurgião durante 34 anos, tendo exercido cirurgia geral essencialmente na Cidade da Praia, mas também em São Vicente e no Fogo.

São mais de três décadas de trabalho duro e abnegado, de histórias e de amizades que perduram.

No encontro que introduzi com a palavra “MUSHKILA” (problema) eu, não poucas vezes, prolixo e de conversa fácil, tive dificuldades. Ouvi tudo com atenção e alguma mágoa. Depois, só pude propor um texto, ao meu jeito – este que vos apresento -, uma homenagem de gratidão no quadro das comemorações em preparação dos 20 anos da Ordem dos Médicos Cabo-verdianos, da qual ele foi fundador, a participação num encontro mais descontraído, (recusava-me pensar em despedida) que seria uma oferta da Ordem dos Médicos Cabo-verdianos e, seguramente com os novos meios de comunicação em mente, num contacto tão próximo quanto possível.

Diligências feitas junto de membros do Conselho Directivo Nacional e os próprios compromissos do Dr. Morris ditaram um rumo diferente a uma das nossas ideias, não nos permitindo outra saída senão a nossa presença e participação aqui, juntamente com o Dr. Joaquim Tavares, em representação da Ordem dos Médicos.

Mas permitam-me que vos diga que o faço, com prazer, como bastonário naturalmente, mas também e, obviamente, como aquele colega, hoje com golfos frontais já bastante recuados, cabelos são cada vez mais grisalhos e escassos.

Mas, teimo em querer fazê-lo em nome daquele jovem que conheceu o Dr. Morris Matar e que o saudava amiúde com SALAM ALEIKOUM, KIFA KHALAK, e cumprimenta, hoje o Dr. Morris, como se os anos não tivessem passado por ele, por mim e por nenhum de nós presente ou ausente.

E digo mais:

“Morris, mereces toda a nossa consideração e nossa amizade, pelo que foste e és: um colega, um cabo-verdiano, um irmão. Podes contar connosco”.

Nosso encontro da semana passada terminou de forma cordial e com esperança: O Dr. Morris estará novamente connosco, no quadro de uma conceituada Organização Não Governamental egípcia, presente em várias dezenas de países, organização que, como Bastonário, tive a honra de receber por duas vezes na sede da Ordem.

Numa delas, os representantes deixaram-me uns presentes, valiosos pelo seu significado e simbolismo.  Pretendo deixar um deles como uma pequena lembrança ao Dr. Morris, como gesto amistoso e simbólico. Nossos amigos da Saint Paul Community, se o soubessem, ficariam contentes, pois a prenda estará em boas mãos.

A verdadeira lembrança, a de Cabo Verde, será a presença do Dr. Morris nos nossos corações. Discreta que seja mas permanente presença nos nossos corações!

Morris vem cá e aceita o meu abraço, como sendo meu, naturalmente, mas também dos médicos cabo-verdianos e, sobretudo dos milhares de cabo-verdianos de que trataste e cuidaste como muito carinho. Cabo Verde e o seu povo te agradecem.

Agradece, por nós, à tua esposa e aos teus dois filhos que demonstraram muita compreensão para connosco durante toda essa caminhada.

Até um desses dias, meu caro Morris, e um bem-haja.

Praia, 13 de Agosto de 2017

Pel´O Conselho Directivo da Ordem dos Médicos Cabo-Verdianos

/Daniel Silves Ferreira/

– Bastonário da Ordem dos Médicos-