Silenciosa, incapacitante e muitas vezes fatal, a osteoporose atinge cerca de 200 milhões de mulheres no mundo todo, aproximadamente um décimo daquelas com 60 anos, um quinto das com 70 anos, dois quintos das com 80 anos e dois terços das com 90 anos. Os dados são da Fundação Internacional da Osteoporose (IOF, na sigla em inglês).
Na Europa, nos Estados Unidos e no Japão, a entidade indica que a doença afeta cerca de 75 milhões de pessoas, entre homens e mulheres. No Brasil, segundo a Associação Brasileira de Avaliação Óssea e Osteometabolismo (Abrasso), são cerca de 10 milhões.
Pelo documento Consenso: prevenção e tratamento da osteoporose na América Latina – estrutura atual e direções futuras, divulgado no fim do ano passado pela Americas Health Foundation (AHF), 33% das mulheres brasileiras com mais de 50 anos têm a patologia.
Apesar de ser uma enfermidade bastante conhecida, ela é pouco diagnosticada e tratada tardiamente, na maioria dos casos apenas quando o paciente já sofreu alguma fratura, sua principal complicação.
Para se ter uma ideia, de acordo com a IOF, anualmente, causa mais de 8,9 milhões de fraturas osteoporóticas, resultando em 1 a cada 3 segundos.
E tudo isso gera um enorme impacto humano, com sequelas físicas e emocionais, e também socioeconômico – um estudo conduzido pela consultoria americana Cornestone Research Group, e apoiado pela biofarmacêutica Amgen, mostra que o custo anual mundial de hospitalização por fraturas causadas pela osteoporose é de R$ 19,8 bilhões; no Brasil, esse valor é de R$ 1,2 bilhão.
A principal preocupação, hoje em dia, é que, com o envelhecimento da população, o número de casos da doença e também os gastos com ela tendem a crescer substancialmente.
A IOF estima que o número de fraturas osteoporóticas subirá 32% até 2050 em todo o mundo. Só no Brasil, em 2030, deverão ser registradas 608 mil, aumento de 63% em relação a 2015 (373 mil).
Já a carga econômica global chegará a US$ 132 bilhões (cerca de R$ 536 bilhões) nos próximos 31 anos – na América Latina, em cinco anos, deverá subir para US$ 6,25 bilhões (aproximadamente R$ 25,3 bilhões).
O que é a osteoporose?
Pela definição da AHF, a osteoporose é “uma doença sistêmica do esqueleto, caracterizada por uma baixa massa óssea e a deterioração do tecido ósseo, com consequente aumento da fragilidade dos ossos e suscetibilidade à fratura”.
Distúrbio esquelético extremamente comum, e que afeta populações em todo o planeta, ele não provoca sintomas. Sua implicação mais grave é justamente a fratura, e nem todas geram incómodo.
“Isso pode acontecer com traumas mínimos e até sem traumas, em situações normais do dia a dia, como tossir e espirrar, pelo fato de o osso estar menos resistente”, diz Ben-Hur Albergaria, professor de Epidemiologia Clínica da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e vice-presidente da Comissão Nacional de Osteoporose da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Segundo o médico, que também é diretor-técnico do CEDOES Diagnóstico e Pesquisa da Osteoporose, as principais fraturas decorrentes da doença são de vértebra, antebraço e fêmur, sendo essa última a mais devastadora.
“De cada 4 pacientes que quebram o fêmur, 1 morre no primeiro ano após a ocorrência, por conta de suas possíveis complicações, como infecção, embolia e trombose. E dentre os que não morrem, cerca de 80% ficam com limitação para exercer uma ou duas funções básicas, por exemplo, cuidar da casa, se vestir ou caminhar”, relata Albergaria.
Francisco Bandeira, vice-presidente do Departamento de Metabolismo Ósseo e Mineral da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), pontua que as fraturas sem sintomas também são perigosas.
“A mais comum é a vertebral, e seu maior agravamento é a cifose dorsal (encurvamento da coluna para frente). É uma condição bastante limitante, pois a pessoa fica com dor crônica e tem dificuldade para sentar, andar, dormir, andar…”, adverte.
Mas o perigo dos ossos quebrados não para por aí. Estudos mostram que pacientes que tiveram algum tipo de fratura relacionada à osteoporose têm de duas a três vezes mais chance de ter uma nova, especialmente nos dois primeiros anos após a ocorrência.
No Brasil, a Abrasso considera que, das 10 milhões de pessoas com a doença, 14% têm fraturas. As mulheres são o maior grupo: pelos dados da IOF, 1 em cada 3 com mais de 50 anos sofrerá uma. No caso dos homens, essa relação é de 1 em cada 5.
Por que a doença acomete mais as mulheres?
Durante a vida, os hormônios estrógeno (feminino) e testosterona (masculino) têm um papel importante para manter os ossos saudáveis, regulando as células responsáveis pela perda e pelo ganho de massa óssea.
Porém, após os 50 anos, o corpo passa a produzi-los em menor quantidade, o que contribui significativamente para o aparecimento da osteoporose. No caso das mulheres, esse processo se dá de forma mais abrupta, na menopausa, por isso elas são as mais afetadas.
“O homem ainda tem uma vantagem, a geometria dos seus ossos. Eles são maiores e mais fortes”, explica o reumatologista Charlles Heldan de Moura Castro, presidente da Abrasso e professor adjunto da disciplina de Reumatologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp).
Mas isso não quer dizer que eles estão livres da patologia. Muitos também a têm, especialmente após os 70 anos. “Eles, por demorarem mais para procurar o médico, têm um diagnóstico tardio, feito, normalmente, depois do aparecimento de alguma fratura”, acrescenta o especialista.
De acordo com a IOF, embora a prevalência geral de fraturas por fragilidade seja maior nas mulheres, os homens apresentam taxas mais altas de mortalidade – em se tratando de quebra do fêmur, o risco de morte neles é duas vezes maior do que nelas.
O que causa a osteoporose?
Além do sexo e da idade, existem outros fatores de risco para o desenvolvimento da osteoporose. Um dos mais evidentes é a deficiência de cálcio, provocada por dieta pobre no mineral ou por alguma síndrome de má absorção (doença celíaca e inflamação intestinal, por exemplo).
Histórico familiar, baixo peso (mulheres pequenas e com menos de 54 quilos), uso prolongado de medicamentos a base de corticóide, sedentarismo, tabagismo, consumo excessivo de bebidas alcoólicas (acima de três doses diárias) e baixa exposição à luz solar também são possíveis causas.
Ainda entram na lista: possuir enfermidades como artrite reumatóide, diabetes, aids e alguns tipos de câncer, ter deficiência ou excesso de certos hormônios e ter feito cirurgia bariátrica.
Como é feito o diagnóstico e o tratamento da osteoporose?
Em muitos casos, a osteoporose só é diagnosticada após a ocorrência da fratura, mas o ideal, claro, é que isso seja feito antes. Portanto, a indicação é procurar o médico regularmente, e são várias as especialidades aptas a tratar doença, como ginecologia, endocrinologia, ortopedia, reumatologia, fisiatria, geriatria e gerontologia.
Uma das ferramentas utilizadas pelos profissionais de saúde para identificá-la é a FRAX (Fracture Risk Assessment Tool). Validada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), é uma espécie de calculadora, online e gratuita – está disponível no site da Abrasso -, que avalia o grau de risco para fraturas maiores ou de quadril nos próximos 10 anos.
Os dados utilizados nela incluem idade, sexo, peso, altura, fatores de risco e a densidade mineral óssea (DMO), se disponível. Com base no valor obtido, e também no histórico do paciente, pode ser necessária a realização de exames.
O principal deles é a densitometria óssea, que permite fazer a medida da massa óssea e quantificar a sua redução. Geralmente, ele é indicado para mulheres acima de 65 anos e homens a partir dos 70 anos.
Seus resultados são divididos em três categorias: normal, osteopenia (entre 10 e 25% de perda de massa óssea) e osteoporose (a partir de 25% de perda de massa óssea).
Quanto ao tratamento, já deve ser iniciado na fase de osteopenia, para que ela não evolua para a doença. Nessa condição, se a pessoa não apresenta outros fatores de risco para fraturas, geralmente não se faz necessário o uso de fármacos, apenas a adoção de um estilo de vida mais saudável, com alimentação equilibrada, aumento no consumo de cálcio e de vitamina D – se com os alimentos não for suficiente, indicam-se os suplementos -, prática de atividade física regular (de baixo impacto) e exposição solar diária.
Para os casos confirmados de osteoporose, além dos mesmos cuidados, quase sempre a terapia medicamentosa é prescrita. “Apesar de a enfermidade não ter cura, temos disponível um grupo de remédios que atuam de forma segura e efetiva para reduzir a chance de fratura”, afirma o presidente da Abrasso.
Fratura é a principal complicação da osteoporose
“O grande desafio do tratamento é a questão da percepção do risco. A maioria dos pacientes não tem noção da gravidade, e mesmo no caso das fraturas, acreditam que se trata de um evento mecânico, que basta engessar e está resolvido, mas, infelizmente, não é assim. A fratura, sobretudo a de quadril, requer hospitalização e cirurgia para reparação, pode causar dor crônica e a morte”, complementa o médico.
Atualmente, estão disponíveis no Brasil três classes de remédios. Os mais usados são os antirreabsortivos bisfofonatos. Eles atuam inibindo a reabsorção óssea, e alguns são ofertados na rede pública.
Há opções indovenosas e orais. Nas primeiras, a infusão é aplicada a cada 12 meses. Na oral, têm os com ingestão semanal e mensal. Porém, como a absorção deles é baixa, existe todo um ritual para o uso, o que pode dificultar a adesão.
Como explica o doutor Bem-Hur, da Ufes e da Febrasgo, eles devem ser tomados em jejum e com um copo grande de água. Na sequência, é preciso ficar sem ingerir outros medicamentos ou alimentos por 60 minutos. A pessoa também não pode deitar.
Outra droga antirreabsortiva encontrada no país é a denosumabe. Trata-se de um anticorpo monoclonal pra uso subcutâneo em injeções semestrais. “Ele é altamente efetivo e mais conveniente para o paciente, porém, mais caro”, pontua Castro, da Abrasso.
Também é comercializada por aqui a teriparatida, medicamento anabólico que aumenta a formação de osso. Sua aplicação é por via subcutânea, com injeções diárias pela manhã, por um período de 24 meses.
Por ter um preço mais elevado, é reservada para os casos mais graves da patologia, ou seja, pacientes com múltiplas fraturas, com densidade mineral óssea muito baixa ou que falharam com os tratamentos com os outros fármacos.
Em breve, o arsenal terapêutico nacional contra a osteoporose aumentará, com a chegada da droga romosozumabe. O diferencial dela é agir como antirreabsortivo (diminuindo a perda de massa óssea) e anabólico (ajudando na sua formação).
Já aprovada nos Estados Unidos, pela Food and Drug Administration (FDA), está em processo de análise pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para ser liberado no Brasil.
Castro pondera que alguns casos ainda podem ser tratados com reposição hormonal. “Vale para as mulheres nos primeiros 5 a 10 anos da menopausa, desde que não haja contraindicação e que elas não tenham doenças cardiovasculares e câncer.”
Como prevenir a osteoporose?
Como adiantamos, a osteoporose, depois de instalada, não tem cura. Porém, há formas de preveni-la, e elas devem começar ainda na infância.
Segundo Bandeira, da SBEM, o mais importante é construir um bom património ósseo durante a vida.
“O pico de massa óssea se dá até os 30 anos, a partir daí, ela começa a diminuir. Nos primeiros três anos da menopausa, a mulher pode perde até 20%, por isso é fundamental ter uma boa reserva”, explica.
Para atingir esse objetivo, a primeira coisa a fazer é consumir boas quantidades de cálcio e vitamina D, nutrientes essenciais para o desenvolvimento de um esqueleto saudável.
No caso do primeiro, as principais fontes são o leite e seus derivados, mas ele também está disponível em vegetais verde-escuros, como brócolis, couve e espinafre, peixes e alimentos enriquecidos.
A recomendação de ingestão para crianças e adolescentes é entre 700 e 1.300 mg/dia. Para os adultos, vai de 1.000 a 1.300 mg/dia. Para quem tem problemas como produtos lácteos ou outro tipo de restrição alimentar, existem os suplementos.
A vitamina D, por sua vez, é encontrada em poucos alimentos em sua forma natural: peixes gordurosos, como arenque, salmão e sardinha, óleo de fígado de peixe, castanhas e gema de ovo.
O melhor jeito de absorvê-la é tomando sol entre 15 e 30 minutos todos os dias – é preciso expor as pernas e os braços. Vale destacar que até a fase adulta, essa vitamina é sintetizada na pele pela ação dos raios ultravioletas, porém, com o envelhecimento, o corpo perde essa capacidade.
A quantidade indicada é de 600 UI/dia até os 18 anos, e de 800 UI/dia a partir daí. Assim como no cálcio, pode-fazer a suplementação.
Junto a esses cuidados, é primordial praticar atividade física regularmente – musculação, alternada com exercícios aeróbicos -, para fortalecer os músculos e o tecido ósseo e desenvolver o reflexo e o equilíbrio.
Fonte: Asemana